Eu tinha em torno de 7 a 8 anos de idade. Minha professora, Dona Ivone, do chamado hoje primeira série do Fundamental I, percebeu que muitos dos meus dentes estavam cariados, e alguns já eram da segunda dentição. Ela não teve dúvidas, falou com meus pais e pediu permissão para que eu fosse para sua casa nas férias do final de ano, que ela providenciaria um dentista para cuidar do que ainda restava dos meus dentes.
Dona Ivone, morava na cidade de Marília, que distava 50 km da fazenda onde minha família morava. Vinha todos os dias de “jardineira”. Meu pai levava um cavalo selado para que ela fizesse os cinco km que distava a escola do ponto de ônibus mais próximo. Meu pai voltava a pé. A tarde ele voltava ao ponto caminhando a pé e trazia o cavalo de volta. E isto se repetia dia após dia. E com o empenho do meu pai e da Dona Ivone, mais ou menos trinta alunos, recebia ensino correspondente ao primeiro, segundo e terceiro ano. Todos na mesma sala, numa escola pública.
Na época, claro, eu não tinha noção do bem que esta professora estava fazendo. Ela foi muito além da sua obrigação. Ultrapassou sua responsabilidade. Com ela aprendi a ter fome por livros. Mas ela foi muito mais longe. Olhou e me viu como pessoa. Viu os danos que a miséria já tinha me causado e num gesto altruísta interferiu na minha história trazendo benefícios para toda minha vida.
Quando iniciei o tratamento, o barulho do motor acionado pelo pé do dentista, muito me incomodou e eu resolvi fugir daquela tortura. Saia de casa, mas não chegava ao consultório do profissional, que esperou um dia, dois dias, três dias. Então, claro, ele quis saber de Dona Ivone porque eu não estava indo mais para o tratamento. Ela surpresa respondeu: “Como assim? Ela sai de casa todos os dias para o dentista?” Minha mentira tinha sido descoberta. Mas amorosamente, dona Ivone me explicou que era ruim mesmo, mas era o único jeito para que eu não sofresse com os dentes apodrecidos. E daí para frente, ela mesma me acompanhava todos os dias me estimulando e me dando forças para não desistir!
Lembrar disto nos dias atuais me emociona e me toca muito. O mal da miserabilidade humana me assusta, mas a bondade amorosa das pessoas me surpreende e me deixa embasbacada!
E foi assim, que dona Ivone faz parte do numero de pessoas que deixaram e ainda deixam seus rastros de amor no meu coração.
Desejo, hoje, 15 de outubro de 2018, que muitos professores permitam que o amor dos seus corações, ultrapassem as fronteiras da missão de ensinar!
Feliz “Dia dos Professores”!